A Revolução da Energia Solar precisa chegar naqueles que mais precisam

 

por Eduardo Avila

 
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A energia no Brasil é uma das mais caras do mundo[1] e o aumento dos preços acima da inflação não é um fenômeno pontual e decorrente da atual crise hídrica. No Rio de Janeiro, por exemplo, a variação de preços na última década foi de 105%, um percentual bastante superior à inflação no período[2]. A percepção de que a energia elétrica é “cara” ou “muito cara” é compartilhada por 84% das residências brasileiras, conforme mostra pesquisa do IBOPE e Abraceel[3]. 

Se a energia convencional tem ficado cada vez mais cara, a energia solar segue o caminho oposto. Os custos dos equipamentos de energia solar fotovoltaica caíram quase 90% na última década, segundo a Bloomberg New Energy Finance[4]. Segundo a Agência Internacional de Energia, a energia solar já é a fonte de eletricidade mais barata da história[5]. Não surpreende, portanto, o significativo crescimento do mercado de geração solar distribuída que se observa no Brasil, com uma taxa de crescimento anual de 230% desde 2013, segundo dados da ABSOLAR[6].

Existe, entretanto, um segmento da sociedade brasileira que tem ficado de fora dessa Revolução Solar. Por falta de capital para investir na aquisição de equipamentos solares, por dificuldade de acesso ao crédito, e por falta de informação, as comunidades de baixa renda têm se constituído em meras espectadoras do movimento em curso. Este é um segmento da população que vivencia de forma crônica a crise energética, com altas taxas de desemprego, contas de energia que não cabem no seu bolso e serviços de baixa qualidade, com frequentes quedas de luz e um serviço precário de atendimento.

Um mito amplamente difundido é que todos os moradores de comunidades de baixa renda estão no "gato" (conexões clandestinas) ou que tem o benefício da Tarifa Social. No entanto, uma pesquisa[7] da Revolusolar na favela da Babilônia no Rio de Janeiro mostrou que a maior parte da população local está regularizada e apenas uma minoria é beneficiada pela Tarifa Social.

A exclusão do segmento de baixa renda da transição para a fonte solar é particularmente perversa por 2 motivos. Em primeiro lugar, a despesa com energia  representa um peso maior no bolso dos mais pobres. Em segundo lugar, a qualidade do serviço de energia é mais baixa nessas comunidades, quando comparada à qualidade do mesmo serviço prestado em áreas residenciais de maior poder aquisitivo[8]. Ou seja, a população de baixa renda paga as mesmas tarifas que são pagas pelas classes de renda mais altas e recebem um serviço - básico, essencial - de qualidade inferior. Como reverter esse quadro?

 

Qual o modelo adequado para que essas comunidades participem da Revolução Solar?

A Revolusolar aposta no modelo de locação de energia solar via cooperativas. Esse modelo, bastante desenvolvido, por exemplo, na Europa, que em 2016 já contava com mais de 3.000 cooperativas de energia renovável, foi regulamentado no Brasil pela REN 687/2015 e desperta, desde então, um crescente interesse dos consumidores. A expectativa é de um rápido crescimento do número de cooperativas nos próximos anos. Não há, entretanto, até o momento, experiências de implementação dessa solução em comunidades de baixa renda. 

Em 2021, a Revolusolar está constituindo, como um projeto piloto, a primeira cooperativa de energia solar em uma favela no Brasil. A usina solar, de 26 kW, foi instalada no telhado da Associação de Moradores da Babilônia, favela do Morro do Leme, Rio de Janeiro. O público alvo é o segmento de moradores que paga pela energia de forma regular e 35 famílias das favelas vizinhas da Babilônia e Chapéu Mangueira serão beneficiadas. A geração de energia deverá ter início em agosto de 2021.

A cooperativa será gerenciada pelos residentes locais (cooperados e beneficiários da energia). A Revolusolar detém a propriedade dos equipamentos (adquiridos através de patrocínios e doações) e os aluga à cooperativa. As famílias cooperadas pagarão à cooperativa uma taxa mensal pela energia (inferior ao que pagavam previamente à instalação dos painéis solares) e os recursos arrecadados constituirão um Fundo Comunitário destinado a remunerar os trabalhadores locais que atuam no projeto, instaladores solares, eletricistas, e outros profissionais envolvidos na operação e manutenção do sistema, além de contribuir para o financiamento da expansão das instalações solares na comunidade.

Um benefício da modalidade de geração compartilhada em relação à opção de instalações individuais é a neutralização de barreiras associadas à edificação onde será instalado o sistema fotovoltaico. Instalações individuais em comunidades de baixa renda frequentemente têm limitações relacionadas à necessidade de reforços estruturais para aguentar as placas, insolação inadequada ou dificuldade de registro dos imóveis.

O modelo de energia comunitária, descentralizada, harmoniza naturalmente com as tradições de coletividade, autogestão e cooperação das favelas, aspecto fundamental para o sucesso de iniciativas deste tipo. O engajamento e o senso de protagonismo da comunidade local nos projetos dos quais participa é uma premissa, na nossa visão, para a efetividade das mudanças propostas. Ao longo dos 5 anos que atuamos na favela da Babilônia, colhemos alguns aprendizados que contribuem nesse sentido.

Percebemos, em primeiro lugar, que a mão de obra para instalação e manutenção das usinas poderia vir da própria comunidade e passamos a incorporar em nosso modelo de atuação atividades de capacitação profissional para os moradores locais em eletricidade e instalações solares. Instaladores solares atuam em um mercado de trabalho que oferece empregos de qualidade e bons salários, segundo a Agência Internacional de Energias Renováveis. Segundo a IRENA[9], a fonte de energia solar fotovoltaica é a maior geradora de empregos entre as fontes renováveis. A ABSOLAR[10] aponta que mais de 280 mil empregos já foram gerados no Brasil pela energia solar. Percebemos, em segundo lugar, que atividades educacionais junto às crianças e adolescentes, além de contribuir para o engajamento da comunidade, são extensões naturais na disseminação de informações e conscientização sobre sustentabilidade, e contribuem para a continuidade do projeto no longo prazo.

Consolidamos esses aprendizados na definição de uma metodologia de atuação que denominamos de Ciclo Solar. Atuamos em 3 frentes - geração distribuída de energia na favela, capacitação profissional dos moradores locais e educação ambiental infantojuvenil – que formam um conjunto integrado de ações e significam uma relação de parceria e engajamento da comunidade local no projeto. Até o momento, a Revolusolar capacitou 41 moradores como eletricistas e instaladores solares e ofereceu mais de 100 oficinas de educação infantojuvenil na favela da Babilônia, para 65 crianças e adolescentes locais.

 

Como o Marco Legal pode contribuir para democratizar a Revolução Solar?

A expansão da energia solar no Brasil tem resultado em intensos e recentes debates no Congresso Nacional sobre como definir a taxação do segmento. Acreditamos que sem um marco legal adequado, o futuro da GD nas comunidades de baixa renda é bastante incerto. Por isso, nos posicionamos favoráveis ao PL 5829/19. No entanto, a perspectiva das comunidades de baixa renda tem, a nosso ver, que ser levada em consideração nesse debate e receber um tratamento especial. Com base em experiências internacionais e adaptando-as ao contexto brasileiro, encaminhamos uma proposta de uma Emenda, encaminhada pelo deputado Rubens Bueno (Emenda 01 ao PL 5829/19). A sugestão é manter os incentivos atuais de créditos energéticos à população de baixa renda. A redução do valor desses créditos, como vem sendo proposta, pode tornar inviável o modelo das cooperativas nessas comunidades e frear o crescimento de uma solução sustentável para a histórica crise energética vivida pelos mais pobres.

 

Conclusão
A evolução do mercado de geração de energia solar distribuída é um sucesso no Brasil e apresenta benefícios em múltiplas dimensões - redução dos gastos com energia, geração de empregos, atração de novos investimentos e geração de energia limpa, renovável e sustentável; possibilita ainda a diversificação da matriz elétrica brasileira, com uma nova fonte renovável que aumenta o suprimento de energia elétrica, reduz as perdas e posterga investimentos em transmissão e distribuição. O desafio é analisar e incorporar soluções que permitam a participação das comunidades de baixa renda nessa Revolução Solar. Afinal, esta população é a maioria do Brasil, e é justamente a que mais precisa dessa Revolução.

 

Referências

[1] https://www.gazetadopovo.com.br/economia/brasil-caminha-para-ter-a-energia-mais-cara-do-planeta-86tyszyyp8czy77fbcvtovdsq/

[2] https://oglobo.globo.com/economia/conta-de-luz-no-rio-mais-que-dobra-em-uma-decada-23517167

[3]  https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/08/18/energia-eletrica-e-cara-ou-muito-cara-para-84percent-dos-brasileiros.ghtml

[4] https://about.bnef.com/new-energy-outlook/

[5] https://www.iea.org/data-and-statistics/data-products

[6] https://www.absolar.org.br/noticia/gd-solar-deve-atrair-investimentos-de-r-70-bilhoes-ate-2030/

[7] https://revolusolar.org.br/wp-content/uploads/2019/08/Energia-el%C3%A9trica-na-Babil%C3%B4nia-_-Relat%C3%B3rio-de-pesquisa-2018.pdf

[8] https://metropolitics.org/Rio-de-Janeiro-An-Inequitably-Connected-City.html

[9] https://www.irena.org/publications/2020/Sep/Renewable-Energy-and-Jobs-Annual-Review-2020

[10] https://www.absolar.org.br/mercado/infografico/

 
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