Carta à Chico Mendes

 

por Fernanda Mendes Sartori

 
 
 

É Chico, confesso que se eu tivesse que escolher entre o passado e o futuro, acho que escolheria o passado, ter nascido nos anos 60, em Xapuri – Acre. São quase 32 anos de seu assassinato, e de lá pra cá muita coisa mudou. Outras nem tanto...

Hoje, com o avanço da tecnologia, se uma queimada se inicia dentro da floresta, o mundo inteiro fica sabendo no mesmo instante, assim, ao vivo, e não por meio de jornalistas e grandes emissoras de comunicação. Agora, qualquer um que tenha um celular, pode espalhar por aí fotos e vídeos da verdade que acontece ao seu redor. Mas com isso, algumas verdades foram bem difíceis de acreditar, parecia até filme de ficção. Mas não era.

Em 2000 um vazamento de óleo na Baía de Guanabara no Rio de Janeiro formou uma mancha do tamanho de 4 campos de futebol. E pra piorar, no mesmo ano, no Paraná, os Rios Barigui e Iguaçu recebiam o mesmo desastre, só que 3 vezes maior do que o de Guanabara. Nem preciso dizer que o desastre comprometeu todo o ecossistema, afetando peixes, mamíferos, e toda uma população que dependia da água dos rios.

Quando será que eles vão entender que todo desastre ambiental atinge, solo, água, ar, e acaba por consequência atingindo todos nós? E a gente avisou Chico, nossa como a gente avisou! E pessoas qualificadas avisaram! Por meio de relatórios foi avisado, mas eles não ouviram, e em 2015 a lama de Mariana, em Minas Gerais, tirou 19 vidas, chegou ao Rio Doce, e vai ficar lá por pelo menos mais cem anos. E aí a gente pensa: “poxa, agora talvez eles ouçam o que as pessoas tem a dizer, né?", mas você já sabe a resposta né Chico. Eles não ouviram e em 2019 Minas Gerais sofreu um rompimento ainda pior, Brumadinho, que fez mais de 241 vítimas e ainda não tem como mensurar o tamanho do desastre. E a pior parte Chico, é que todas as mortes poderiam ser evitadas, e falo de todas mesmo, dos humanos, dos animais, e da terra.

Esse progresso que todo mundo adora falar vale quanto? Independente do quanto for, posso te garantir que não vemos sua distribuição. Porque quanto mais avançamos em tecnologia, mais a desigualdade social aumenta. No final, o lucro continua indo pra quem sempre esteve lucrando. Nada Mudou, nada nunca muda!

Eles dizem que o futuro é nosso, mas como vamos fazer parte desse futuro se eles não nos deixam opinar? Eles não querem nos ouvir. Falam que não sabemos de nada, que não temos conhecimento para mudar as coisas. E foi necessário São Paulo ser tomado por uma nuvem de fumaça que veio das queimadas na floresta Amazônica, para algumas pessoas pararem e discutirem sobre um assunto que no final, é de interesse de todo o planeta.

Eles derrubam e queimam a floresta alegando que Agro é Pop. Então pop significa matar a biodiversidade, transformar tudo em pasto e implementar e plantar apenas monocultura? Pelo menos foi o que eu entendi e não faz sentido Chico. Enquanto eles dizem que a expansão do agro e da pecuária são devido ao aumento populacional e que assim as pessoas não morreriam de fome, por que nos últimos anos só tem aumentado o número de pessoas que morrem de fome no Brasil? A conta não bate. Na verdade, acho que ela nunca bateu.

Uma das lutas mais tristes de ver foi a do cacique Raoni durante 30 anos. Assim como você, ele lutou para que Belo Monte não fosse construída. Ele mostrou para o mundo o que iria acontecer com todo um sistema de vidas se a usina fosse construída. Muitos lutaram ao lado dele para impedir esse desastre projetado, mas em 2019 a última turbina de Belo Monte foi ligada. Assim o rio Xingu morreu, e com ele morreram os direitos humanos de uma população ribeirinha, de povos indígenas e toda uma fauna e flora que morreram junto.

No final, é tudo dito como “Avanço Tecnológico”, mas eu e você sabemos do que estou falando. Existem negócios que são acordados que nunca chegam à população que pagou por ele. Às vezes eu me pergunto, por que querem tanto descobrir vidas em outro planeta, se não conseguem nem entender as vidas que estão nesse que já habitam? Não temos nem 50 anos de conversa sobre essa temática de preservação ambiental, contra mais de 300 de Revolução Industrial, onde, durante séculos nós queimamos, matamos, desmatamos, poluímos.

Mas, vamos falar sério, dava pra tá bem melhor do que está hoje, isso dava, e a natureza sabe disso, sabe tanto, que não aguentou mais esperar pelas mudanças que prometemos e nunca fazemos. Ela respondeu, e hoje ela nos mantém dentro de nossas casas, e confesso que dou razão à ela. Hoje o mundo todo tem que ir para a rua de máscara, com medo de um inimigo invisível, mas será que é invisível mesmo? Ou ele está bem ali do nosso lado jogando lixo na rua, ou dentro do palácio em algum planalto autorizando mais uma derrubada de reservas indígenas? Eu acho que ele está bem na nossa frente, mas alguns optaram simplesmente por não ver.

Por medo? Talvez. Por que sim, dá medo de enfrentar, ainda mais sabendo que o Brasil é um dos países que mais mata ativistas ambientais no mundo. Você sabe bem disso, né Chico? Mas, uma vez eu ouvi uma música que dizia “Muda, que o medo é um modo de fazer censura”. Então, a gente vai, e se tiver que ir com medo, a gente vai mesmo assim!!!

Têm muita coisa pra acontecer no próximo século, mas pra ele existir, muita coisa têm que mudar!!! E, têm muita gente já fazendo essa mudança, Chico. Conseguimos finalmente criar uma reserva extrativista no Acre e ela leva seu nome. Sabe o Nenzinho (Aldecir Cerqueira)? Ele continua levando adiante seus ensinamentos, até o bigode ele deixou em sua homenagem. Ele diz que fica melhor nele, mas tenho minhas dúvidas.

Graças àqueles que lutam pela Terra, nós somos o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. E tem jovem tomando conta da ONU, Chico, Artemisa Xakriabá usou sua voz para falar sobre povos indígenas e mudanças climáticas. Tem jovem de 12 anos, como a Catarina Lorenzo, que apresentou uma denúncia contra os países que estão se omitindo à cumprir as resoluções do Acordo de Paris. Tem a Paloma Costa que está no primeiro time de jovens assessores em clima do Secretário Geral da ONU.

Quando Davi Kopenawa mostrou para o mundo tudo o que está acontecendo no território e com o povo Yanomami, o que eu entendi foi que existem pessoas que nascem ativistas sem saber, porque resistir é a única maneira para continuar existindo. Um dia eu tenho certeza que toda a humanidade saberá quem você foi. Sua vida e sua luta estarão nos livros escolares, assim como da irmã Dorothy, do Cacique Raoni, e mais pra frente Greta, e Hamangai Pataxó. Vai ter tanta gente que fez a diferença pra falar sobre, que os opressores finalmente serão os coadjuvantes.

E foi como você mesmo disse uma vez Chico, quando nós começamos a lutar pelas seringueiras, depois nos demos conta que estávamos lutando pela Amazônia como um todo, e hoje sabemos que estamos lutando pela humanidade. E a gente não vai deixar barato o que estão fazendo com o nosso futuro e o futuro de quem nem chegou por aqui. Já que o futuro nos pertence, as decisões também. E a gente não tem medo não e não arredo o pé, por que se a gente tirou na mão o óleo que derramaram no nosso litoral nordestino, a gente tira na mão aqueles que estão deixando esse mal ser feito!!! Nós somos as sementes que você espalhou pelo mundo em sua breve jornada.

E mesmo que tentem nos arrancar pela raiz, te garanto que muito mais vai surgir. Talvez o momento que estamos vivendo seja a oportunidade de começar essa unificação que você sonhou. Eu também não vou ter a chance de comemorá-la, mas fico feliz de partilhar com você o mesmo sonho!!! E Chico, além da borracha, o açaí da Amazônia também conquistou o mundo!!! Obrigada.

Obrigada por apesar de saber que estava à frente do seu tempo, sendo um visionário, optou por nos mostrar o caminho do futuro. Ele não é fácil, mas o resultado vai ser lindo. É muito bom saber que estamos do lado certo da luta. Chico Mendes! Presente. Hoje e sempre!

 
Fonte da foto: Meio ambiente técnico

Fonte da foto: Meio ambiente técnico

 
 
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